15.1.09

Última estação

Estou sentada aqui há 3 horas. Última estação. Já vi algumas centenas de pessoas entrarem e saírem dos vagões. Algumas cheias de malas, outras sem nada.

“O que leva alguém a viajar sem nada?”, me pergunto. Acho que o desejo de não se prender, de não querer tornar ao lugar de onde veio. Malas representam coisas, e coisas possuem história. Alguém que deseje recriar ou esquecer o passado não pode se apegar a coisas. É, talvez seja isto.

Pelo menos estas pessoas, com ou sem coisas, com ou sem história, sabem para onde vão. Eu sou do primeiro tipo, embora esteja com apenas uma mala. Não há mais por que ficar. Também não tenho para onde ir. É por isso que estou há 3 horas sentada aqui. Se não quero o meu passado, mas não tenho um futuro, o que fazer?

Foi nesta indecisão que resolvi arrumar minhas poucas coisas que interessavam e rumar para cá. “A estação de trem deve ser um bom lugar para saber aonde ir”, pensei. Afinal, com tantos rumos, basta que eu escolha um e siga. Mas não está sendo tão fácil assim. Se eu realmente quisesse deixar tudo para trás, não traria esta mala. Então a culpa é dela? Penso em me desfazer dela, mas quando me levanto é como se eu estivesse deixando um animal, que não me segue, mas chora pedindo que não o deixe. Não, acho que o problema não é a mala. Sento. Sou eu.

Se sou eu, como posso resolver isto? Não há mais nada aqui para mim, mas se não há nada aqui, e até agora isto foi tudo, onde acharei algo fora de minha própria história, minha própria vida? Penso em questionar alguém que desce dos vagões, mas me contenho. Constranjo-me. Afinal, não sou eu quem deveria saber a resposta? Mas como se cria algo a partir do nada? Tudo vem de algum lugar e vai para outro. Mordo os lábios e meus olhos se enchem de lágrimas. Tenho vontade de chorar. Lágrimas contidas, para quem ninguém perceba. Sinto-me só, muito só. Como é possível estar sozinha no meio de tantas pessoas? Aperto a bolsa com minhas mãos e baixo a cabeça.



Alguém senta ao meu lado e tosse. Levo um susto e no mesmo instante fico reta, olhando para frente. Sinto um calafrio na espinha, meus pêlos eriçam e prendo a respiração. Encolho os lábios. Sem virar a cabeça, olho para o lado. Um rapaz sentou ao meu lado. Desleixado, com as pernas abertas encostando nas minhas e olhando para cima, com a cabeça apoiada na parede. Um braço no apoio do banco e o outro esticado em cima do encosto, quase me tocando. Viro um pouco e vejo que veste um terno, sem gravata e a camisa um pouco aberta.

- Para onde vai? Pergunta ele, olhando para mim.

Levo um susto e viro para frente novamente.

- Eu?!? Eu... ainda não sei.

- Huuum... e quando pretende se decidir?

Quê, como assim?!?

- E por que você quer saber?!? Eu não o conheço.

- Mas poderia. Qual o seu nome?

- Por que eu iria querer conhecer você? Já tenho meus problemas.

- Eu estou te observando desde que você sentou neste banco. Você não me percebeu, mas eu te notei. A julgar pela sua única mala, ou não tem muita coisa para levar consigo ou você está querendo largar tudo para trás. Eu também. Não tenho nada que valha a pena levar daqui. Eu não sei para onde vou, você também não sabe. Pensei que poderíamos construir algo juntos.

Quando a resposta já saia automaticamente, paro e penso. No entanto, quando vou me pronunciar, ele toca minha mão, levanta a cabeça e fala, olhando nos meus olhos:

- Antes que diga algo, eu tenho algo a dizer. Talvez ajude. O caminho não existe, ele se faz ao caminhar e caminhar é melhor do que ficar aqui parado.

Os caminhos existentes são os caminhos dos outros. Esses caminhos não existem para nós, pois cada um é um ser único que realizou escolhas próprias. Olhar para a vida dos outros esperando ver um reflexo de nós mesmos é um erro, um sinal de hesitação, indecisão, de negação. Um sinal de fraqueza.

Exemplos só servem para quem os viveu. Espelhar-se nos outros é negar a si próprio. Melhor levantar e rumar em direção ao desconhecido, deixando para trás as migalhas da sua própria historia, dos seus próprios atos.

É por isto que você está aqui sentada, vendo toda essa gente entrar e sair destes trens. Acha que a solução irá surgir repentinamente, vinda de algo ou de alguém. Vindo de fora de si mesma. Não, não existem duas vidas iguais e se não existem, porque esperar por algum caminho já trilhado? Todos os problemas são gerados e solucionados pelo próprio indivíduo. Cada situação se impõe diante de nós e apenas nós podemos lidar com elas, torná-las ou não um problema. E se elas tornam-se um problema, só podemos nos apoiar em nós mesmos para o solucionarmos.

Após dizer tudo isso, ele se cala e vira o rosto para o outro lado, cruzando os braços. Eu baixo a cabeça e, após um instante, levanto-me num impulso e pergunto:

- Vamos? Digo sorrindo de maneira tímida, mas convidativa, esticando a mão para ele.

Ele se vira surpreso e me pergunta:

- Para onde?!?

- Que tal um café primeiro?

Abro meu sorriso e sinto o rubor em minha face. Ele sorri. Em seguida, segura minha mão e saímos dali.



Raul Galhardi