6.2.10

O Ocaso do Pai


Para acompanhar: Radiohead - How I Made My Millions




O pai precisa morrer.


Vivemos há mais de 2000 anos sob o signo do macho. Nascemos, crescemos e morremos sob este carma. Esta sina. A autoridade chega ao seu fim.

Caos... não. Ordem? Também não. Um e outro. A suavidade, apenas. Sem arestas. A fluidez contra o impacto. O escorregar. Uma existência densa, porém esguia. Líquida. O sólido já não nos serve mais.

Não. Não é uma revolução. Longe disso. Revoluções fazem parte deste mundo caduco que deixamos para trás. É uma mutação. Uma nova espécie tem início das cinzas de outra. Um homem diferente, novo, mas não melhor ou pior.

O confronto que não aniquila, mas absorve. A alteridade como regra. Regra?

A repressão como forma de autoconhecimento, necessária apenas para o mínimo funcionamento das interações humanas. Não ao Superego, ao Id e ao Ego. Não há três. Não há um. Há vários sujeitos em um só. Somos todos muitos e não nos conhecemos. Não queremos e não podemos.

Por isso o pai precisa morrer. Não é uma questão de vontade, mas uma realidade. Vontade esta sempre vista sob a ótica da dualidade excludente: Repressão x Liberação, Id x Supergo, Prazer x Dor. Sempre julgada e não aceita. Porque não ser vários que se complementam ao mesmo tempo? E porque não aceitar tudo? O todo? “AMOR FATI”. Todos juntos não constituem um, porque não sabemos quantos somos. Somos múltiplos e diferentes ao mesmo tempo. Não há aquele que é você, mas aqueles que são você, vistos por todo o restante do mundo. Eu, você, os outros... todos vemos a mesma coisa de formas distintas. Porque não acabar com a idéia de “coisa”? Ou do “mesmo”?

Para isso o pai precisa morrer. Morrer lentamente para que as mudanças sejam deglutidas sem traumas. Sem terremotos e sem furacões da alma tão buscados por épocas passadas e ainda próximas. Estigma do macho. A violência. O abrupto. O trauma. O mundo envelhece lentamente e foi o macho que nos trouxe ao que vemos hoje: a rapidez. O avanço que se diz progresso, mas não sabe para onde vai. Para onde quer ir. Uma evolução para uns e tragédia para muitos.

Não há modelo ou ideal, pois essa é a idéologia do pai. Ele quer a perfeição. A exige. A deseja como um faminto, um ser incompleto que é e não se aceita. E oprime a consciência quando ele não a obtêm. Somos todos insatisfeitos. É assim que devemos ser? O modelo não existe, mas é uma eterna construção. Não há estrada e esse é o problema para este pai tão acostumado a querer planejar tudo. Não está acostumado a se perder...

Nascemos e morremos nos perdendo. E isso não é ruim. Só agora nos demos conta, ou pelo menos só agora resolvemos rasgar o véu que nos cobria. Era óbvio. Óbvio para quem?

Não faz sentido... mas é para fazer? “A coerência é a virtude dos imbecis”, diz o dândi. A coerência é mais uma ideologia paterna. Faz parte da razão. A linha reta não existe na natureza. Somos todos curvas. Não percebemos isso antes?

Mas para que o pai morra é preciso um enterro. Sem choro, porque não é o fim, mas o recomeço. Só mais um recomeço. Sem esquecimento, pois não há ruptura. Há absorção e transformação.

Para isso é necessário o ritual apropriado. A consciência tranqüila. O saber alegre, a gaia ciência. A leveza do espírito. A abertura para o outro que durante tempos foi definido partindo daquilo que achávamos que éramos. O outro negligenciado e julgado impiedosamente pelo nosso eu. Julgar é preciso. Incorporar também...

As velhas certezas... novas serão necessárias? “JOIE VIVRE”.

Queremos um pai feliz, um pai-fêmea, pai-mãe. Andrógino. Incompleto, consciente e fluido. Definir é limitar.

O pai morreu. Alegria. Brindemos à sua morte! Este falo que há milênios se impõe sobre a humanidade...


Longa vida ao pai.





Raul Galhardi