7.10.10

"Be good, get good or give up"




“A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre”. Oscar Wilde


No episódio de House “A Decepção” Foreman afirma ao final para Cuddy que “House não é um herói. Quem desrespeita uma regra ruim é um herói. House não desrespeita as regras, ele as ignora. Ele não é Rosa Parks, ele é um anarquista. Ele só defende o direito de todo mundo pegar o que quiser quando quiser. Se ensinar isso aos médicos, a taxa de mortalidade vai aumentar muito.”.

Verdade? Veremos.

O que ele disse lembra uma frase de Che Guevera: “A velocidade do bando deve ser a velocidade do mais lento”. O que isso tem a ver com o que Foreman defendeu? Nivelar por baixo, em poucas palavras.

Em nossa sociedade devemos nos pautar pelo padrão médio de indivíduo. Regras existem para domesticar a todos, mas principalmente os incompetentes, os tolos, pois é preciso proteger a coletividade e eles mesmos de suas inabilidades e deficiências. Os mais capazes, como House, aqueles que se elevam acima da massa medíocre não precisam das regras do senso comum, pois existindo elas ou não, eles fazem suas próprias regras. Todavia, em termos de política, administração da sociedade, como saber quem são essas pessoas, aqueles indivíduos que se destacam da multidão e por isso podem ou devem ser tratados diferenciadamente? Não há como saber. Por isso a isonomia, o princípio de que somos todos iguais perante a lei, nivela a todos tendo como referência os impotentes, os fracos, os ignorantes. Os retardatários.

Isso que dizer que Foreman está certo? É fato que Foreman acerta quando diz que se todos os médicos começassem a desrespeitar as regras muitos pacientes morreriam, afinal a maioria dos médicos não é como House. Por outro lado House também está certo em suas atitudes, pois se alguém realmente é um indivíduo diferenciado, mais capaz, mais competente do que o resto, porque seguir essas regras perniciosas? Porque fazer aquilo que considera pior, limitado, se sabe o que é o melhor, o que pode ser feito além do limite das regras? Os conceitos de certo e errado não se aplicam a ele como se aplicam a maioria, ao indivíduo médio. Este indivíduo precisa destas regras, para se proteger e para proteger os outros. House não.

Ele ignora as regras como Rosa Parks ignorou a lei americana que impedia negros de se sentarem em assentos para brancos nos ônibus. Nesse sentido, fez aquilo que achou certo. Criou sua própria regra e ignorou os costumes e leis vigentes da sociedade em que vivia.

Qual a diferença então entre os dois? De acordo com Foreman, a lei que Rosa Parks desrespeitou era “ruim”, logo ela merecia ser desrespeitada. Eis outro problema. Como definir quais leis são ruins, portanto devem ser desobedecidas, e quais são boas? Teoricamente uma lei existe para ser cumprida, não para ser violada. Todavia é verdade que exemplos não faltam de leis na história da humanidade que em suas épocas eram consideradas “boas”, ou pelo menos o senso comum assim as tratava, e foram violadas de forma a hoje serem avaliadas como retrógradas e nocivas. A escravidão é um exemplo. A ausência de direito ao voto para as mulheres é outro, assim como a inexistência do direito de greve. Os exemplos são inúmeros.

Portanto a que conclusão chegamos? Nenhuma lei ou costume é ruim per si. O bom e o mau são valores socialmente construídos, variáveis de época para época. Logo falar em leis “boas” e “ruins” não faz sentido algum. House é igual a Rosa Parks, pois ambos fizeram aquilo que consideraram correto indo contra as regras de seu meio.

Houve tempos em que as diferenças eram incentivadas. Leis, costumes, privilégios e deveres exclusivos para determinadas classes ou castas da sociedade. Nosso atual espírito democrático não permite sequer cogitarmos isso. Nesse sentido, ao rejeitar a moral vigente e seguir sua vontade, House aproxima-se da idéia de “Homem extraordinário” de Raskólnikov, personagem de Dostoiévski, e do “Super Homem” nietzschiano.

Devemos então nos assumir como indivíduos plenamente autônomos e sermos nossos únicos senhores ou necessitamos de regras impostas por outros? Quem está certo, House ou Foreman? Minha resposta é: os dois. Precisamos de leis e regras? Sim. Todos devem cumpri-las? Não. Como saber quem deve e quem não deve segui-las, ou melhor, quem PODE e quem NÃO PODE violá-las? Não há teoria para isso, caso contrário estaria apenas criando outra regra suscetível de violação. São os atos e seus resultados que determinarão isso. A liberdade é filha do poder. O sucesso da ação pretendida é o único diferenciador entre aqueles que de fato podem desprezar as convenções sociais daqueles que estão fadados a berrarem como ovelhas.

A uns poucos, tudo aquilo que forem capazes de alcançar. Ao resto, a dura e igualitária espada da lei.

6.2.10

O Ocaso do Pai


Para acompanhar: Radiohead - How I Made My Millions




O pai precisa morrer.


Vivemos há mais de 2000 anos sob o signo do macho. Nascemos, crescemos e morremos sob este carma. Esta sina. A autoridade chega ao seu fim.

Caos... não. Ordem? Também não. Um e outro. A suavidade, apenas. Sem arestas. A fluidez contra o impacto. O escorregar. Uma existência densa, porém esguia. Líquida. O sólido já não nos serve mais.

Não. Não é uma revolução. Longe disso. Revoluções fazem parte deste mundo caduco que deixamos para trás. É uma mutação. Uma nova espécie tem início das cinzas de outra. Um homem diferente, novo, mas não melhor ou pior.

O confronto que não aniquila, mas absorve. A alteridade como regra. Regra?

A repressão como forma de autoconhecimento, necessária apenas para o mínimo funcionamento das interações humanas. Não ao Superego, ao Id e ao Ego. Não há três. Não há um. Há vários sujeitos em um só. Somos todos muitos e não nos conhecemos. Não queremos e não podemos.

Por isso o pai precisa morrer. Não é uma questão de vontade, mas uma realidade. Vontade esta sempre vista sob a ótica da dualidade excludente: Repressão x Liberação, Id x Supergo, Prazer x Dor. Sempre julgada e não aceita. Porque não ser vários que se complementam ao mesmo tempo? E porque não aceitar tudo? O todo? “AMOR FATI”. Todos juntos não constituem um, porque não sabemos quantos somos. Somos múltiplos e diferentes ao mesmo tempo. Não há aquele que é você, mas aqueles que são você, vistos por todo o restante do mundo. Eu, você, os outros... todos vemos a mesma coisa de formas distintas. Porque não acabar com a idéia de “coisa”? Ou do “mesmo”?

Para isso o pai precisa morrer. Morrer lentamente para que as mudanças sejam deglutidas sem traumas. Sem terremotos e sem furacões da alma tão buscados por épocas passadas e ainda próximas. Estigma do macho. A violência. O abrupto. O trauma. O mundo envelhece lentamente e foi o macho que nos trouxe ao que vemos hoje: a rapidez. O avanço que se diz progresso, mas não sabe para onde vai. Para onde quer ir. Uma evolução para uns e tragédia para muitos.

Não há modelo ou ideal, pois essa é a idéologia do pai. Ele quer a perfeição. A exige. A deseja como um faminto, um ser incompleto que é e não se aceita. E oprime a consciência quando ele não a obtêm. Somos todos insatisfeitos. É assim que devemos ser? O modelo não existe, mas é uma eterna construção. Não há estrada e esse é o problema para este pai tão acostumado a querer planejar tudo. Não está acostumado a se perder...

Nascemos e morremos nos perdendo. E isso não é ruim. Só agora nos demos conta, ou pelo menos só agora resolvemos rasgar o véu que nos cobria. Era óbvio. Óbvio para quem?

Não faz sentido... mas é para fazer? “A coerência é a virtude dos imbecis”, diz o dândi. A coerência é mais uma ideologia paterna. Faz parte da razão. A linha reta não existe na natureza. Somos todos curvas. Não percebemos isso antes?

Mas para que o pai morra é preciso um enterro. Sem choro, porque não é o fim, mas o recomeço. Só mais um recomeço. Sem esquecimento, pois não há ruptura. Há absorção e transformação.

Para isso é necessário o ritual apropriado. A consciência tranqüila. O saber alegre, a gaia ciência. A leveza do espírito. A abertura para o outro que durante tempos foi definido partindo daquilo que achávamos que éramos. O outro negligenciado e julgado impiedosamente pelo nosso eu. Julgar é preciso. Incorporar também...

As velhas certezas... novas serão necessárias? “JOIE VIVRE”.

Queremos um pai feliz, um pai-fêmea, pai-mãe. Andrógino. Incompleto, consciente e fluido. Definir é limitar.

O pai morreu. Alegria. Brindemos à sua morte! Este falo que há milênios se impõe sobre a humanidade...


Longa vida ao pai.





Raul Galhardi