Dialética é a típica visão de mundo daqueles que querem simplificar a realidade e enxergar tudo pautado em dicotomias... bem x mal, justo x injusto, direita x esquerda, belo x feio, corpo x alma etc. O que ocorre é que esta visão é típica do rebanho ressentido que, precisando se sentir seguro na existência, busca explicá-la de maneira simplista.
Nós criamos esta noção de ''Bem'' e ''Mal'', ''Justo'' e “Injusto'' devido a uma revolta contra a realidade. Uma revolta metafísica. Não aceitamos a realidade da maneira como ela é, com dores e prazeres. Queremos apenas o lado bom da existência! E criamos ilusões devido a isso. Explicações racionais ou religiosas (o que dá na mesma, pois ambas baseiam-se na busca da “verdade”, de um sentido no mundo) para o sofrimento na existência. Precisamos atribuir culpa a algo ou alguém, por que ''O que revolta no sofrimento não é o sofrimento em si, mas a sua falta de sentido'' (Nietzsche)! A busca pelo sentido surge da dor de existir.
Preferiremos colocar a culpa em nós mesmos (pecado) ou naquilo que está fora de nós (sociedade, família, amantes, trabalho, etc...) do que simplesmente entendermos que não existe motivo algum para estarmos sofrendo. A vida é assim: dores e prazeres. Criamos, devido ao nosso desejo de segurança, a religião, a ciência, as utopias... enfim, tudo aquilo que possa nos proporcionar um lugar no mundo, algo que dê sentido a nossa dor e que torne este mundo explicável e passível de ser controlado. “O homem preferirá ainda querer o nada a nada querer.” (Nietzsche)
A Vontade é o que move o mundo. Essa vontade se projeta constantemente para fora, como uma Vontade de Poder, de querer-dominar, de vencer resistências, uma sede de triunfos! Obter o máximo de prazeres e o mínimo de dores! Mas os impulsos que não se manifestam em ato, que não se transformam em ações, seja por fraqueza ou impossibilidade, se manifestam por outros meios... eis aí o surgimento da rebelião escrava na moral.
“A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento, a inveja, se torna criador e gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação”. (Nietzsche) O homem, esta fonte de impulsos, ao viver em sociedade, precisa limitar-se, privar-se da realização de todos os seus anseios. Para isto, busca limitar a ação dos outros, criando assim uma “igualdade na infelicidade”. Eis a origem da dita Justiça! O sentimento de igualdade surge dos reprimidos que desejam rebaixar ao seu nível os espíritos livres, aqueles fortes que transpõem as barreiras à suas vontades!
Sendo assim, é vivendo em sociedade que o homem se domestica, se torna “manso”. A falsa igualdade criada entre os homens pela fraqueza acaba por nivelar a todos, inclusive os fortes, os espíritos livres.
É devido a tudo isso, a essa tentativa de nos sentirmos seguros no mundo, de entendermos a existência e conseqüentemente controlá-la para aplacar nossa insatisfação perante a vida, que somos levados a querer adaptar o real ao racional (ideal), o ser ao dever-ser. Negamos a vida por que não querermos encará-la. Não queremos ser livres, preferimos agir de “má-fé”, como diz Sartre, ou seja, não queremos assumir a responsabilidade da vida, de nossos atos, em nossas mãos. É um fardo pesado demais para os fracos!
Por isso surge a idéia de liberdade coletiva, que nada mais é do que uma manifestação de fraqueza. Como o indivíduo não consegue assumir sua liberdade perante a vida, ela a joga para o futuro, quando todos forem livres. A liberdade coletiva, como a igualdade, nasce do sentimento de derrota. A própria palavra “liberdade” é contraditória com “coletiva”, visto que, se somos todos diferentes, como podemos erigir um modelo único de liberdade para todos? Quem determinará isso? Os intelectuais? Os revolucionários? A massa? Deus? O Estado? Por isso liberdade coletiva é opressão, é homogenização, é destruição das diferenças naturais entre os homens em nome de uma igualdade inexistente e desejada pelos fracos incapazes de assumirem seu lugar como indivíduos autônomos no mundo.
Se nada faz sentido, para que continuarmos existindo? Por que não sentamos no chão como as crianças inseguras que somos e choramos por pena de nós mesmos? Pra que prosseguir se não existe recompensa no final, seja ele o reino dos céus cristão ou o Éden comunista na terra? Esta é a resposta?
Muito pelo contrário! É a partir da perda da esperança, da crença no futuro ideal que encontramos nossa liberdade! Paramos de esperar e passamos a viver!
Albert Camus, existencialista, inicialmente amigo e depois rival de Sartre, afirmava que é justamente quando nos deparamos com o sentimento do Absurdo, ou seja, a falta de sentido da existência, que nos tornamos livres! Livres para criarmos nosso próprio sentido e sermos nosso próprio Deus! A única liberdade existente é a individual, que se manifesta na criação dos nossos próprios valores.
Daí em diante, surgem duas opções: ou se assume a própria liberdade perante a vida, com todas as conseqüências que isso trará, pulando no abismo da incerteza, ou se retorna ao estágio de ilusões, quando o indivíduo não se reconhece como livre, não quer encarar a realidade e continua a viver alheio a si mesmo, atribuindo sentido a existência. Por isso, ser livre é a sensação de felicidade advinda da coerência entre suas ações e suas idéias. Assim, a liberdade é individual, subjetiva e não depende de condições materiais, apenas do próprio ser. Para sermos livres é preciso VIVERMOS A LIBERDADE, não esperar por ela!
“Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que pelo menos um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre? Tanto a lógica quanto a emoção condenam tal suposição. A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece. E o coração revolta-se diante de um universo tão cruel a ponto de cometer tais injustiças justamente com a nossa, dentre todas as gerações da humanidade.
Dizer ‘só serei livre quando todos os seres humanos forem livres’ é simplesmente enfurnar-se numa espécie de estupor de nirvana, abdicar da nossa própria humanidade, definirmo-nos como fracassados.” (Hakim Bey)
Por isso atuar politicamente em nome de uma pretensa “liberdade coletiva”, ou em nome da “igualdade”, nada mais é do que uma reação de indivíduos fracos incapazes de aceitarem a realidade como ela é e de se impor a tudo aquilo que aparece como obstáculo à sua vontade. Freud explica. O desejo de ajudar ao próximo, o altruísmo, é a maior manifestação do narcisismo. Não existe auto-afirmação maior! O maior egoísmo consiste em querer moldar o mundo de acordo com seus valores e ainda ser reconhecido por isso! O generoso deseja o reconhecimento pelos seus atos e age como se fosse o detentor da verdade, o “libertador do povo”, quando na verdade "os que mais amaram ao homem lhe fizeram sempre o máximo dano. Exigiram dele o impossível, como todos os amantes." (Nietzsche).
Tudo se resume a UMA GRANDE MANIFESTAÇÃO DE INFANTILIDADE. Essas pessoas, todas crianças carentes, se refugiam no seu mundo ideal de justiça, no seu desejo pelo futuro, por não conseguirem enfrentar o presente e não se sentirem seguros, buscando de novo o seio materno, época na qual não precisavam realizar escolhas, arcar com a conseqüência delas e ainda eram amados incondicionalmente.
Para finalizar, por que esta obsessão, por parte daqueles que querem transformar a realidade, com o Estado? Por acaso acham que o poder está concentrado lá? Sim, eles acham! Mas de onde vem esta visão? Tudo veio de Rousseau, o pai da esquerda moderna, e como todo esquerdista um idealista, o qual acreditava ser o homem naturalmente “bom” enquanto a sociedade o corrompia.
(É incrível como temos a tendência de acreditarmos que nas épocas primitivas era tudo lindo e maravilhoso!).
Que miopia... a natureza é amoral! Não existe ''Bem'' e ''Mal'' presente nela! Nenhum ato é a priori bom ou ruim, já que somos nós os criadores de todos os valores. Criamos valores, ou seja, conteúdo para a realidade, ao analisarmos ela de acordo com um método, que se utiliza de uma linguagem. Portanto todos os conteúdos de valor são precedidos por formas de pensar que levaram até eles, formas estas extremamente diversificadas assim como os indivíduos. "Falar de justo e injusto em si carece de qualquer sentido; em si, ofender, violentar, explorar, destruir não pode naturalmente ser algo 'injusto', na medida em que essencialmente, isto é, em suas funções básicas, a vida atua ofendendo, violentando, explorando, destruindo, não podendo sequer ser concebida sem esse caráter." (Nietzsche).
É devido a esta visão de que a sociedade é ruim e o indivíduo é naturalmente bom que surge a visão de que, para mudar o indivíduo, basta mudar a sociedade, ou seja, tomar o poder do Estado. No entanto, afirma Nietzsche, "Toda filosofia que acredita removido ou até mesmo solucionado, através de um acontecimento político, o problema da existência, é uma filosofia de brinquedo e uma pseudo-filosofia".
Foucault pode nos ajudar. Na verdade, o poder está diluído na sociedade. Não existe superestrutura e infra-estrutura. O poder não se detêm, ele se exerce. Ele é ato, não potência. Todo poder vem acompanhado igualmente de um discurso de verdade que o legitima e ao mesmo tempo o reproduz, e vice-versa. Verdade e poder estão intrinsecamente ligados, o que nos leva a afirmar que não existe verdade, pois o que existe são discursos de verdade criados pela vontade de poder.
Logo, se o poder está presente em todas as esferas sociais (família, escola, hospício, prisão, trabalho, Estado, etc.) a atuação cotidiana dentro das limitadas áreas de cada esfera pode ser tão eficiente ou mais para transformar a realidade vigente, ou melhor, o sistema de verdades/poder existente, quanto uma atuação através de movimentos de massa que almejam a tomada do Estado. Na verdade é até mesmo perigoso essa tomada de poder do Estado sem uma anterior transformação dos discursos de verdade/poder, pois corre-se o risco de continuar a se reproduzir práticas antigas mesmo em uma nova sociedade, sendo este o maior erro e principal causa do fracasso de todas as revoluções!
Percebe-se que a lógica infra-estrutura e superestrutura foi totalmente aniquilada, assim como a noção de ideologia, pois para existir “ideologia”, pressupõe-se que existe também o seu oposto, ou seja, a verdade, e já que a verdade é uma manifestação de um discurso pautado numa vontade de poder, não pode-se falar em verdade, mas em discursos de verdade/poder. Logo, tudo seria “ideologia” e a verdade científica almejada pelo marxismo, positivismo e todos os demais discursos cientificistas não existiria.
Por fim, lutar por um pretenso ideal de justiça, liberdade (coletiva) e igualdade, além de ser uma manifestação de fraqueza, idealismo, uma fuga da realidade, um desejo de jogar para o futuro aquilo que não se concretizou no passado e no presente e que simplesmente nunca existiu na história da humanidade, também apresenta outra quimera que é a da impossibilidade de se discernir o quanto o seu discurso também não é fruto deste mesmo sistema de verdades/poder existentes, já que é impossível se pensar fora do momento em que se vive.
Conclui-se então que a situação é muito mais complicada do que se mostra e que os resultados pretendidos ao se atuar fora de si mesmo nunca serão os pretendidos, provavelmente até opostos. Mas todos os seres possuem a liberdade de se iludirem...
por Raul Galhardi
7 comentários:
"Pecado é algo que os homens inventaram e então inventaram que foi Deus que inventou"Adriana Falcão.
Eu acredito na minha liberdade, na minha autonomia. Acredito que é meu o direito de falar de mim, de julgar de mim, em detalhes ou todos, porque cada um tem a si e ao seu lugar no mundo.
O meu lugar eu construo em mim e nos outros, por puro egoísmo [porque todas -todas mesmo- as relações inter-pessoais são alavancadas por sentimentos considerados (por quem mesmo?) desprezíveis]. O meu egoísmo de querer bem [à quem ou ao que quer que seja] é realmente algo mal?
Gosto de pensar que essa coisa viva que se faz sentir a todo instante em mim não precisa ter nome ou definição, pode ser vaidade-narcisismo-egoísmo-orgulho ou simpresmente o meu 'Acreditar No Mundo' ou ainda o meu 'Acreditar em Mim', ou pode ser tudo isso o que mais me convir.
Eu, por mim, busco um pouco de equilíbrio [mais até que essa alegria doida], busco o poder de manter meus pés descalços, minha palavra acordada ao meu sentir, de tudo mais, "Cada um pode com a força que tem na leveza e na doçura de ser feliz."
Nai.
Raulzito, me empolguei ó.. ai o texto cresceu e nem vi... Ficou essa coisa gigante ai de cima...
Lá vão as minhas considerações...
Concordo com muita coisa, discordo de muitas outras, mas o que mais me chamou a atenção e que talvez valha a pena suscitar são os problemas do poder e da verdade.
Você diz, baseado em Foucault, que “[n]a verdade, o poder está diluído na sociedade. Não existe superestrutura e infra-estrutura. O poder não se detém, ele se exerce. Ele é ato, não potência. Todo poder vem acompanhado igualmente de um discurso de verdade que o legitima e ao mesmo tempo o reproduz, e vice-versa. Verdade e poder estão intrinsecamente ligados, o que nos leva a afirmar que não existe verdade, pois o que existe são discursos de verdade criados pela vontade de poder”.
Concordo com fato de que o poder se exerce (embora pense que também pode ser potencial), mas nem sempre o poder se encontra associado a uma “verdade”. Você mesmo diz: o poder deve ser exercido para existir. Se assim é, não precisa de mais nada senão da ação para existir. Ele não precisa necessariamente ser carregado de um discurso verdadeiro ou falso.
O que ocorre é que toda “ação”, ou todo “exercício”, precisam de uma força que os fomente, mas que não necessariamente é o discurso. Pode ser uma força psicológica, mas pode ser também uma força puramente física. Sendo o poder uma ação, pode ele se valer de qualquer tipo de força para subsistir.
Por isso discordo também quando diz que a verdade não existe. A verdade, em si, é um pressuposto lógico e não pode não existir. O real problema está em como é retratada, em como é descrita (semiótica). A verdade é apenas o que é (ou seja, objetiva) e, a partir do momento que a descrevemos, inevitavelmente a distorcemos (intencionalmente ou não), tendo em vista que a comunicação humana é imperfeita e os símbolos por nós utilizados não abarcam todos os elementos que constituem a existência de um objeto.
Nesse processo de descrição surgem os discursos que podem ser mais ou menos comprometidos em atingir a verdade ou não, ou seja, nascem os discursos meramente verossímeis (retóricos, mais utilizados para manejar o poder) e os discursos “verdadeiros” (ressalvando-se a imperfeição da comunicação – e que também podem servir para conduzir poder), e tudo o mais que você já sabe e por isso me furto a escrevê-lo!
Um abraço!
Cadê a minha resposta???
Bom, Raul vou comentar só até o segundo parágrafo, pois acho que nos pomos em desacordo essencial.
1. A dialética é justamente o contrário de uma lógica dicotômica que opera oposições do modo simplório que vc descrever. Hegel não era uma criança imbecil.
2. "Nós" criamos tais noções? Não querendo tolher a subjetividade desse Ego coletivo e presentista, mas a origem de tais noções, e pensando unicamente em sua constituição semântica no português, é imemoriável e essencialmente não-atribuível. Seja como for, "nós" a encontramos pronta, muito antes de nosso advento. Fora isso, se vc faz a subjetividade preceder e constituir quaisquer categorias, num movimento que ressuscita a idéia de uma causalidade simples, que é esta subjetividade senão a do sujeito abstrato transcendente? Seria preciso reconhecer que o "nós" não pode anteceder as categorias que constitui e que o constituem - da mesma forma que essas categorias não podem anteceder o "nós". É preciso abandonar a origem, nesse sentido.
3. Dor e prazer são categorias tão abstratas, ilusórias e artificiais como quaisquer outras. Logo não servem de princípio explicativo e formal para todo a instituição do significado, sentido ou cultura. Supor isto seria aderir, contra seu argumento, a uma última ilusão - a de, como diria, Jeremy Benthan, o utilitarista, em tudo que fazemos, constituímos, somos guiados por estes dois senhores, dor e prazer.
André... E aí, rapaz, postando para seu parceiro?? Rs...
Calma, eu realmente não fui muito claro na minha crítica a dialética. Eu estou criticando, na verdade, a dialética hegeliana e marxista no sentido de que elas simplesmente não são dialéticas!
Ambas, preste atenção... AMBAS são idealistas e pregam o fim da História!
A dialética, para ser ela mesma, precisa prolongar-se ''ad eterno'', não pode postular um ''fim da História'', como defendido abertamente por Hegel e veladamente por Marx.
Abertamente por Hegel pq, para ele, o fim da História se daria quando o real se encontrasse com o racional, ou seja, o ''ser'' ao ''dever-ser''. Não existiria mais necessidade, por exemplo, da beleza ser imaginada pela arte, porque, a partir de então, ela seria vivida! Tudo aquilo que o mundo era imaginado através do ''dever-ser'' passará então a ''ser''.
Marx defende a mesma coisa com outros termos. Não fala abertamente no fim da História, mas, para Marx, ela seria a sociedade comunista, ou seja, ''quando o real se encontrar com o racional'', ''o ser ao dever-ser'', quando todas as contradições cessarem.
Patético.
A dialética pressupõe um movimento incessante, cujas contradições jamais cessarão de existir pois são condições deste mesmo movimento ao infinito.
'' Não é verdade que o universo queira ser feliz e unido. Está dividido, oposto em suas partes'', escreve Drieu. E ainda: ''A luta dos existentes não é feita para ser superada''. É simplesmente IMPOSSÍVEL a inexistência de antagonismos, de oposições, pois enquanto existirem diferenças eles existirão! O pluralismo das culturas, das idéias, a separação radical dos indivíduos implicam que a verdade do homem não é a amizade, mas a luta!
Existe um capítulo do livro ''O Homem Revoltado'' de Camus, que se dedica especialmente a destruir a ''dialética'' marxista, dentre outros dogmas. Posso te emprestar o livro.
Para Nietzsche é ainda pior! Toda a nossa filosofia até então estava impregnada pelo niilismo, o desejo pelo nada, a rejeição deste mundo em nome da busca de valores eternos, unidade e verdades (racionais ou não). Por isso, para ele, qualquer um que postule que o ''dever-ser'' deve prevalecer sobre o ''ser'' é um idealista, um niilista, pois nega este mundo em nome de algo que ele não é!
...o que coloca Marx junto com os idealistas... (os marxistas devem arrancar os cabelos por causa disto...rs).
Quanto à questão da dor e do prazer, receio que seja vc que esteja sendo idealista. Não há nada de abstrato, artificial e ilusório na dor e no prazer.
Ambos, dores e prazeres, físicos ou psicológicos, são os princípios basilares que movimentam o homem. Sim, somos guiados pela dor e prazer, mas isto não é só Benthan. A busca pela máximo de prazeres e mínimo de dores é Freud. São os existencialistas. É Nietzsche. É Schopenhauer. E varios outros...
Prazer e dor são os mais concretos dos sentimentos humanos. Sinto prazer e sinto dor e sei quando estou sentindo. Posso não saber os porquês, mas isto é outra história...
Quanto à segunda questão levantada, lembro que já discutimos isso na tua casa. Preciso tentar me lembrar desta conversa. Até lá, fica o desejo de vê-lo, seu sumido...
Gustavo...
O poder não pode ser potencial. Ou ele é ato ou não existe. Por exemplo... o patrão manda o empregado fazer algo, certo? O patrão exerceu o poder ao mandar o empregado fazer algo, e o empregado tem o poder de decidir se faz ou não. O poder do patrão só existe no momento em que ele se manifesta, assim como o do empregado. Se o chefe ficar em seu canto, ele não está exercendo poder algum. Talvez vc imagine que existe um “poder simbólico”, pois, mesmo sem ele mandar fazer nada, o empregado trabalha. Mas aí está a questão. Isto acontece pq existe todo um discurso de verdade por trás, uma “ideologia”, de que aquele empregado deve se submeter e trabalhar para outrem. Este discurso se legitima pelo exercício do poder do qual esta verdade depende, e vice-versa.
Vamos ao ponto. Neste exemplo, quem tem REALMENTE o poder ?!? O chefe, que possui o “poder simbólico” por ser hierarquicamente superior ou o empregado, que EXECUTA as ordens ??? O poder está no empregado, que o exerce, não no patrão, que o “possui” simbolicamente...
Poderia-se argumentar “mas o empregado será punido se não cumprir as ordens” ou “se ele possui o poder, porque ele não age de forma diferente”? Pode-se dar algumas explicações para isso. Ou ele não tem consciência de sua liberdade de agir diferentemente, ou se a possui, resolveu por não atuar desta forma por temer as punições. De qualquer forma, ele possui o poder de agir, estando consciente dele ou não. Quanto à punição, isto é apenas a conseqüência deste poder. Assim como ele pode agir diferentemente, o seu patrão possui o poder de puni-lo caso o desobedeça. Cabe a ele, empregado, através de uma reflexão pragmática ou ideológica decidir o que irá fazer.
Qto ao discurso de verdade estar presente em todas as ações de poder, talvez vc não esteja conseguindo enxergar a presença dos discursos de verdade no exercício do poder. Em qualquer situação de poder, seja uma conversação, uma relação empregatícia, uma dura da polícia, uma relação familiar ou um namoro, sempre você agirá tendo por trás um discurso de poder, uma “ideologia” (utilizando um jargão marxista), que guiará estas ações. Ou o discurso utilizado faz parte dos inúmeros discursos vigentes e aceitos na sociedade, ou o seu discurso é seu, individual, utilizado por vc em determinadas situações que podem ir de encontro ou ao encontro dos discursos vigentes e socialmente aceitos. Em qualquer ocasião, sempre haverá uma vontade de poder baseada em algum discurso de verdade que dará legitimidade, seja social, seja apenas para vc mesmo, para os teus atos. Você fala em força psicológica ou física, mas isso e so a maneira como o poder se manifesta. Por trás desta maneira esta a lógica dele.
Qto ao fato de a verdade não existir, sim, de fato ela não existe em seu caráter absoluto! Ao você dizer que a verdade existe mas o que ocorre é uma “falha de comunicação” você está afirmando o caráter ininteligível da verdade. O que quero dizer? Se a verdade existe, mas sobre ela existem diferentes interpretações, como você pode saber que ela existe? Mesmo que ela exista, nunca saberemos então como ela é. Sendo assim, faz diferença ela existir ou não, se no final tudo é uma questão de interpretação?
Além de Foucault, poderia citar outros filósofos, como Nietzsche, que empreendeu uma crítica destruidora a concepção de verdade, transformando completamente esta questão da origem e busca da verdade como até então era entendido. Não mais a verdade como algo que existe num plano extra-terreno e que deve ser apreendido, mas como algo criado e transformado de acordo com as vontades e relações gramaticais.
Só para citar uma crítica a esta noção de verdade, os pragmatistas e neopragmatistas americanos, neste caso William James, possui a seguinte noção de verdade: “A verdade para nós é simplesmente um nome coletivo para processos de verificação, do mesmo modo que a saúde, a riqueza, a força etc., são nomes de outros processos ligados à vida, e também perseguidos porque compensa persegui-los. A verdade é feita do mesmo modo que a saúde, a riqueza e a força são feitas no curso dos acontecimentos.” “Verdadeira é o nome para qualquer idéia que inicie o processo de verificação, útil é o nome para sua função completada na experiência.” e “O contraste essencial é que, para o racionalismo, a realidade já está pronta e completa desde toda eternidade, enquanto para o pragmatismo está sendo feita, a espera de seu aspecto futuro.”.
Percebemos a ligação entre verdade e utilidade para os pragmatistas. Transcrevo um trecho da análise de Maria Célia Marcondes de Moraes, da UFSC, sobre Richard Rorty, neopragmatista americano.
“Interessante acompanhar a argumentação rortyana, como fizemos no artigo de 2003. Se alguém indaga "útil para quê?", nada há a replicar, assevera Rorty (1997), senão que são "úteis para criar um futuro melhor". Se as perguntas sucedem-se e alguém inquire "melhor segundo que critério?", os pragmáticos nada acrescentariam a não ser que "melhor" seria aquilo que "contém mais do que nós consideramos bom e menos do que consideramos mal". Se outros perguntam "exatamente o que consideram bom?", responder-se-ia "a variedade e a liberdade" ou o "crescimento". E como alcançar o crescimento, a variedade e a liberdade? Ora, mediante o intercâmbio de idéias, conversação, os encontros livres e abertos! Dessa forma, prossegue o autor, "os pragmáticos estão limitados a oferecer respostas imprecisas e inúteis porque não esperam que o futuro se ajuste a um plano [...], mas que tão somente assombre e estimule". Temos apenas que "perseguir as crenças que demonstrem ser guias confiáveis para obter o que queremos.".
Eu vou um pouco além ao responder a pergunta acima “exatamente o que consideram bom?”. Para mim, a resposta seria simplesmente, além da variedade e liberdade, aquilo que cada indivíduo considerar que é bom, já reconhecendo o papel necessário da variedade e liberdade para que o indivíduo exerça suas escolhas.
Este é apenas um exemplo de como o discurso da verdade pode ser encarado de diversas maneiras. Espero ter sido compreendido.
Abraços
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