22.8.08

''Você é bom demais para mim.''

Você é bom demais para mim – o que significa isso??

Uma verdade ou uma mentira. Se for uma mentira, não me interessa. Tratarei aqui de quando esta frase é dita como verdade, da idéia de que realmente, em muitos casos, essa frase é o que ela significa. Ou as pessoas mentem ou são masoquistas. Por acaso elas não querem a felicidade?

Caso os indivíduos se tornassem completos, parariam de buscar, e a existência é busca! Não pode haver o final, a satisfação. Esta é a grande contradição! Isso tudo, afirma Pascal, é devido ao nosso vazio. Não possuímos significado “a priori”, mas o construímos na própria busca. Para ele, oscilamos entre a alienação, ou seja, o estado em que ocupamos nossa mente para não sermos preenchidos pela sensação do vazio, e o tédio, quando o vácuo toma conta de nós. Somos uma pulsão constante, um eterno vir-a-ser, mas ao mesmo tempo há limites para esta transformação, pois ninguém vive revolucionando-se a cada instante. Mudanças são lentas, poucas são radicais. Esta é a lei da natureza.


“Por fim amamos o próprio desejo, e não o desejado.” (Nietzsche)


(É esta contradição intrínseca ao ser humano que me leva a crer na existência de um Impulso de Morte, como diria Freud. Uma pulsão que se volta contra o próprio sujeito, na intenção de nos fazer retornar ao nada, ao Nirvana, ou seja, de acabarmos com as dores de existir através da nulificação da vontade e, em ultima instância, da própria existência.)


*

Passando agora ao tema principal introduzido pela primeira frase... eis o amor!

Palavra forte esta! Palavra forte porque idealizada, supervalorizada! Idealiza-se o amor por medo de amar, por medo de se dizer que ama. Subcategorizamos o amor em várias modalidades (amor paterno, fraterno, entre amigos, entre namorados...) simplesmente para não dizermos esta simples frase que para muitos pode fazer tremer um mundo: “Eu te amo.”

Amor é um só. Eu amo meus amigos, meus pais, minha namorada e todos aqueles que me são queridos. Mas é fácil dizer que amamos nossos pais. Não é tão fácil dizer para um amigo que o amo e mais difícil ainda é dizer para alguém que a amo como namorado. Para quanto(a)s homens/mulheres com quem ficamos dissemos “eu te amo”? Muito poucos. Na verdade esta frase assusta! Temos muito medo de falar e de ouvir esta frase, porque ela implica toda uma série de obrigações e expectativas e é só nisso que pensamos. Por isso dividimos o amor.

Faço minhas as palavras de Roberto Freire, criador da Somaterapia:

“Escrever sobre o amor é difícil, porque essa palavra nem sempre designa realmente amor, sendo mais freqüentemente usada como superlativo do afeto que se pode sentir por uma pessoa.

Aliás, isso acontece porque a maioria, da forma como se vive hoje, não consegue amar realmente e supõe ser amor o gostar intenso e doloroso que lhe foi possível sentir por alguém.

O mais grave, entretanto, é o fato de as pessoas acreditarem tratar-se verdadeiramente de amor o gostar desmesurado. (...)”.


*

Amor envolve compromisso. De que tipo? Uma traição é perdoável, mas varias não? A quantidade faz alguma diferença? 2,3,4, 57 vezes? Por quê? Não podemos amar alguém que fica com outras pessoas, mas sempre volta?

Não, porque nos consideramos donos do outro. Confundimos amor com fidelidade e não com lealdade. O sentimento de posse faz parecer que a “traição” representa uma falta de respeito, carinho e consideração pelo outro. Não me parece ser uma falta de respeito desde que haja sinceridade entre o casal. Só há este problema porque consideramos isto um problema. Se passássemos para um grau de compreensão de que o fato de ficarmos com outras pessoas não significa falta de amor, isso não seria considerado uma traição, algo a ser escondido e reprimido. Não entendemos a "traição" porque temos medo de perder a outra pessoa!

Na realidade, todos (quase todos, para os chatos de plantão...), enquanto estão tendo um relacionamento, sentem, mais cedo ou mais tarde, atração por outras pessoas. Nada mais natural. Ficar com outra pessoa, ou 40, não é o problema, desde que exista sinceridade, cumplicidade e de que haja lealdade, o retorno. Amar consiste em dividir os momentos bons e ruins, em gostar de alguém e querer que ela seja feliz (mesmo que não seja com você). Se ela voltar, ótimo, ainda há uma relação. Se não voltar, uma pena... a vida é assim mesmo, ninguém controla nada!

Agora o que ocorre é um pacto de hipocrisia! Mentimos, omitimos e fingimos não saber da verdade na ilusão de que, se proibirmos a outra pessoa de realizar seus impulsos, estaremos acabando com ele, ou então se não ficarmos sabendo do que ocorre “por fora” nada estará acontecendo para nós. Ledo engano. É muito melhor jogar aberto do que ficar jogando tudo para debaixo do tapete, pois, como já disse, mais cedo ou mais tarde isso acontecerá, e quando acontecer e for descoberto, dificilmente este relacionamento continuará.

Esta frase resume bem o pensamento moderno:

“What´s so great about the truth? Try lying for a change – it´s the currency of the world.” (Dan, personagem do filme “Closer”)

Dizer sempre a verdade é bom? Não com nossa cultura, porque não estamos acostumados à sinceridade. Na verdade, necessitamos da mentira para sermos felizes, para vivermos "em paz", porque precisamos da ilusão do controle (e isso não vale só para o amor, mas para tudo). A própria palavra ''Perder'' é uma palavra errada, é um conceito errado, porque de fato nunca tivemos o outro, nunca o possuímos! Temos a ilusão do controle, da segurança, para nos aplacar, para nos acalmarmos, mas de fato não há este controle. Não se pode controlar a vida. Como já tratei no texto “Um Grito Contra o Humanismo e o Idealismo” sobre essa necessidade de segurança humana, não irei me prolongar aqui sobre ela.

Todavia, não estou aqui a afirmar que toda “traição” não significa falta de amor. Se ela ocorrer porque a pessoa não se sente mais feliz com o seu relacionamento, então os motivos que a levaram a “pular a cerca” são diferentes daqueles até aqui elencados. Neste caso, deve-se mesmo pensar em terminar a relação, pois ela já está morta... ou caminhando para isto.

Para vivermos em sociedade, é necessário abrirmos mão do nosso egoísmo natural, e agirmos conforme a dança. POR QUÊ? Para aplacar nossa própria sede de segurança e a sede alheia! Para que, sob o mesmo véu de valores, de verdades, possamos todos conviver harmonicamente. Por isso, reafirmo as necessidades conflitantes, os impulsos conflitantes que movem o ser humano. Somos impelidos para nossa satisfação pessoal ao mesmo tempo em que somos impelidos à convivência pelo nosso desejo de segurança.

Todavia, liberdade e segurança são antagônicos! O máximo de segurança é a escravidão, porque liberdade significa risco. Porém, ambos (indivíduo e sociedade) só podem conviver com prejuízos recíprocos, pois o individuo renega a satisfação plena de seus desejos e, ao mesmo tempo, a sociedade não o satisfaz completamente, o que acarreta crises e divergências, rebeldias do individuo contra a sociedade. Não há harmonia alguma. Se existe alguma verdade, é essa. Gostamos de nos enganar. A sociedade sofre ataques a todo tempo dos seus integrantes e a todo momento sofremos imposições dela sobre nós. Não há saída. Há mediação. Talvez se temêssemos menos o incerto, o livre - devir, o caos, o acaso, o contingente, seriamos mais felizes, pois mais realistas.

Será? É nisso que eu acredito. Mas encontrar este ponto médio é o grande problema, e só cabe a cada um defini-lo...

*

Ao tratar do amor, Erich Fromm, psicanalista, diz:

“É o amor uma arte? Se o é, exige conhecimento e esforço. Ou será o amor uma sensação agradável, que se experimenta por acaso, algo em que se ‘cai’ quando se tem sorte?”


Sua tese é a de que o amor não acontece por acaso, mas é preciso estar preparado para ele, tanto para amar quanto para ser amado. No entanto,

“A maioria das pessoas vê o problema do amor, antes de tudo, como o de ser amado, em lugar do de amar, da capacidade de alguém para amar. Assim, para essas pessoas o problema é como serem amadas, como serem amáveis.”

No nosso desejo egoísta, queremos trazer o outro para nossa esfera de influência afetiva, sem sequer mesmos estarmos preparados para amar este outro. E quando o trazemos, não queremos mais perdê-lo.

Para Fromm, basicamente, existem dois tipos de relações. A “simbiótica” é aquela em que ambos os pólos da relação necessitam um do outro, com um pólo ativo (sádico) e um polo passivo (masoquista), podendo haver inversão de papeis, desde que esta polaridade seja mantida.


Já a relação “amadurecida” consiste na “união que se dá sob a condição de se preservar a integridade própria, a própria individualidade.” Desta forma, o indivíduo não busca sua completude, sua inteireza, fora de si! Ele é completo consigo mesmo, sem depender de nada nem ninguém.

Sobre isso, Roberto Freire sintetiza:

“DECLARAÇÃO DO AMANTE ANARQUISTA:
Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.”

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Por último, outro ponto a ser analisado é a importância desmedida que damos à duração. Não basta que seja intenso, queremos que tudo dure ad eterno, o máximo de tempo possível! Não podemos usufruir, aproveitar, gozar da experiência enquanto ela dura, e após dela retirarmos todo um aprendizado, toda uma gama de experiências boas e ruins? Quem disse que tudo deve durar? Na verdade se a vida nos ensina algo é que nada dura. Mais uma vez, o desejo de segurança, o medo da inconstância, o conformismo de estar numa situação, quando não precisaremos constantemente lutar pela nossa felicidade, como se felicidade fosse algo estacionado, é o que nos leva a raciocinarmos desta forma.


Não há felicidade se a encaramos como algo estático. Ela é dinâmica, um agir constante motivado por um inconformismo perante a vida. Não quero dizer que nunca devemos nos contentar com nada, no entanto, sempre que repousarmos, é necessário uma reflexão constante sobre até quando continuaremos estacionados nesta situação, até quando estamos nela por mera comodidade ou porque ela realmente é prazerosa.

Sendo assim, termino:

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis''. (Fernando Pessoa)
Raul Galhardi

4 comentários:

Alex disse...

Muito bom o texto, Raulzito! Só faltou citar o Fernando Pessoa no final - tá a citação dele flututando sozinha, sem referência.

Anônimo disse...

Ieeiii! Viva a poligamia! (só para avacalhar :P)

Anônimo disse...

parabéns, raul... desse eu gostei.

desconsidere o anônimo acima... qualquer pessoa com o mínimo de inteligência ou sensibilidade teria entendido que você não teve intenção de ser cult, mas de explicar.

agora eu resolvi meditar e 'estudar' budismo... acho que você mesmo tinha me falado disso há algum tempo... e tem tanto disso de parar de buscar as coisas nos outros, ou fora de si, de um modo geral... é tão comum! é o erro mais bobo e mais instintivo, talvez por isso o pior hábito de se livrar.

grosso modo, concordo com o que li ;D

Unknown disse...

Gostei Raul!
E fiquei pensando que talvez seria mais fácil encarar as coisas desse modo, já que tudo pode ser passageiro...dificil falar nisso.