Ao caminhar em sua direção, a madeira daquela velha ponte rangia um pouco, mas isso parecia não atrair sua atenção. Parei um pouco antes de chegar ao seu lado, ainda num ângulo em que ele não pudesse me ver e disse "Oi". Ele calmamente se virou e, lentamente, subiu sua cabeça espiando-me por completo, até chegar ao meu rosto, calado. Fiquei um pouco constrangido e para disfarçar meu embaraço, sentei-me ao seu lado. Ele virou-se novamente e voltou a contemplar o oceano. Meio sem saber o que fazer, resolvi dizer algo:
- Eu sempre passo aqui quando venho buscar minha mãe. Ela vive na casa para idosos perto da cidade, logo no começo da estrada. Os médicos dizem que o clima daqui faz bem para ela.
Não há resposta. Aquela enigmática figura continua olhando para frente, ignorando-me. Talvez fosse um bruto ignorante. Talvez fosse só alguém sensível que estivesse admirando a paisagem, imerso em seus pensamentos, como se de fato eu nem estivesse ali. De qualquer forma, minha curiosidade atingia limites incontroláveis, e continuei:
- Sempre quando venho para cá e atravesso o porto, vejo você aqui. Neste mesmo local, sentado com as pernas para fora olhando para o mar. Há 5 anos, todos os finais de semana, eu faço este mesmo trajeto e sempre o vejo aqui. Parece até que você passa o dia inteiro aqui, pois já vim em diferentes horários pegar e deixar minha mãe e sempre o vejo. Após todo este tempo, não consegui controlar minha curiosidade. Enfim, posso lhe perguntar por que permanece neste mesmo local, nesta mesma posição, todos esses dias?
Ele parece continuar me ignorando. Não esboça reação alguma. Após um tempo, paro de olhá-lo e volto-me para frente, vendo o sol que se põe.
- O oceano traz uma sensação de grandeza, de unidade. Tudo está conectado por ele. Não só aquelas ilhas que você vê logo adiante, mas também todos os continentes presentes neste mundo. Se você conseguir imaginar isso, para de sentir-se sozinho. Às vezes fico pensando se alguém também olha para mim dessas ilhas.
Ele diz tudo isso com seu olhar ainda reto, imóvel e perdido, como se eu ainda não estivesse ali ao seu lado. Não digo nada. Após um breve momento, ele continua.
-É particularmente bonito à noite, quando as luzes de todas essas ilhas acendem e eu penso que elas estão tentando se comunicar comigo. Mas logo percebo que isso não faz sentido algum e volto à minha incômoda busca.
Eu me viro para ele, que continua.
- Mas seria mentira se eu dissesse que venho aqui apenas para contemplar esse gigante, para conectar-me. Algumas vezes pensei sinceramente em me jogar nestas àguas, mas não tive coragem o suficiente.
- Por que você está me dizendo isso?
Ele se vira e olha para mim, com a mesma calma e leveza do gesto anterior. Seu olhar é triste e sereno.
- Fiquei pensando se devia falar com você ou não. Resolvi por falar. Não era isso que você queria?
- Você não se sente incomodado por estar contando essas coisas para um estranho?
- Não, por que na verdade você não me é mais estranho do que qualquer pessoa desta cidade, daquela ilha, ou de qualquer uma destas ilhas e lugares deste mundo. Não se pode conhecer verdadeiramente ninguém.
Ele se volta para frente novamente.
- Quando fico aqui, olhando para o mar, lembro que existem tantos lugares neste mundo que eu não conheço e que nunca irei conhecer. Tantas pessoas, tantos momentos... como viver sabendo disso? Só um ser que pudesse estar em todos os cantos e que vivesse para sempre poderia absorver tudo que este mundo tem para nos proporcionar, mas parece que Deus foi egoísta ao guardar apenas para ele esse privilégio. Apenas um ser imortal e onipresente poderia desfrutar do todo. Eis então que surge uma questão: como continuar vivendo sabendo que Deus existe e que eu não sou ele? Como existir pela metade, imperfeito, sabendo que a perfeição existe? É demasiado doloroso.
- Mas não pense que eu acredito em Deus. Deus é um desespero que começa onde todos os outros terminam. Seria uma desonestidade intelectual se eu, sabendo de tudo isso, me rendesse ao transcedente, este lugar onde todos chegam após exaurirem a razão. Por isso continuo na minha busca incessante. Hunf. Parece que a felicidade e a quietude não fazem parte dos "planos" da existência...
Silêncio.
Quem é este homem?
- Você não se acha extremamente pessimista? Não quero discordar de você, mas não é possível enxergar as coisas de outro modo?
- E como poderia não sê-lo? Como sorrir enquanto todos não forem felizes? Um só será feliz se todos forem. Todos os seres são infelizes, mas quantos realmente sabem disso?
- Eu sou feliz.
- Você está satisfeito?
- Sim.
- Nada pode melhorar?
- Pode...
- Vê? É disso que estou falando. Somos movidos pelas nossas vontades, nossos desejos. Estamos sempre insatisfeitos. Não podemos simplesmente parar de desejar. A vontade se manifesta sempre em direção a algo, tangível ou não. Uma alternativa para isso seria a supressão total dos desejos, o anulamento da vontade, o ascetismo. Mas não acredito que isso seja possível, desejável e muito menos natural. Prefiro viver honestamente o meu sofrimento a ter que me refugiar da própria vida. O inferno está dentro de nós mesmos, não nos outros.
- Mas eu posso dizer pelo menos que sou mais feliz do que você...
- Sim, pode. A felicidade só é possível através do vislumbramento de uma desgraça maior, neste caso, a alheia. O limite de uma dor é outra maior.
Eu fico esperando que continue, mas ele se cala. Durante instantes, ele permanece inerte olhando para o horizonte. Estou espantado com este ser. Como pode ser tão calmo dizendo tudo isso? Eu penso em perguntar algo, mas não sei se devo. Hesito, mas, por fim, pergunto:
- Você não está esperando demais da vida, pedindo demais? Você quer tudo, a plenitude.
- E porque não querer a plenitude? O fim dos anseios, das dores, a felicidade de todos...
- Por que não é assim que a vida é.
- Então eu renego esta vida em nome do que ela não é. É por ela não ser tudo o que poderia que eu não a aceito. E busco. Espero conseguir sair daqui, incompleto e vivo. Tornar-se completo significaria unir-me ao oceano.
Após ouvir isso, percebo que já está anoitecendo. Fico encarando ele por alguns segundos, esperando algum gesto, algo mais. Olho para o relógio. Devo ir. Penso em dizer algo, mas o que poderia dizer? Acredito que tudo já foi dito. Pergunto seu nome.
- Meu nome é ...
Despeço-me e levanto. Saio dali. Ao caminhar em direção ao carro, olho para trás. O vejo na mesma posição anterior, como se eu não houvesse passado por ali. Embora não conheça este homem, desejo que ao retornar ele ainda esteja lá. Espero que ele não desista de buscar e não se entregue ao oceano.
por Raul Galhardi