22.5.08

Excerto

Um olhar para si


Ser humano é angustiar-se. Não há existência que não viva isso constantemente.

No entanto, viver é para poucos. Viver sinceramente, eu digo.

Por que sempre é possível refugiar-se nas ilusões, ou desistir.

Não condeno aqueles que desistiram. Condeno aqueles que se iludem.

Por que sei que viver é demasiado difícil e requer um exercício intenso de afirmação de si mesmo, mesmo sem ter aonde apoiar-se. Mas odeio aqueles que se iludem porque mentem para si mesmos. Ambos negam, porém.

A depressão, o momento máximo da angústia, faz parecer que vale a pena desistir.

Entretanto, aqueles que passaram por ela sabem que nada pode durar para sempre. O problema é se durar por tempo demais.

Não condeno os que desistem, mas não pretendo fazê-lo agora.

Hoje eu sou o escaravelho.




ÁPORO

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.


Carlos Drummond de Andrade



Por Raul Galhardi

10 comentários:

Unknown disse...

Pode se dizer q esse é o grande desafio de algumas pessoas ...
Como diz tb CDA:

"Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!"

Anônimo disse...

Na esquina da Consolaçao com a Paulista há uma lousa posta numa vitrina daquele sebo existente na passarela subterrânea que liga um lado ao outro da avenida dos prantos. O dono deste sebo alí exibe citações aleatórias.
Ontem:
As pessoas deviam arriscar mais
Nietzsche.

Unknown disse...

É isso.
Mas é tão, tão mais fácil o desistir que não sei porque ele é mais válido do que o iludir. Só por não consistir uma mentira? Enquanto a ilusão é.
Mas o desistir é pobre de espírito - nesse caso, acho que prefiro a mentira.

Raul Galhardi disse...

Pelo contrário... desistir é muito mais difícil do que se enganar.

Nos enganamos o tempo inteiro. Seja através de religiões, auto-ajuda, ciência, ideologias, psicologia... nos enganarmos é a regra, não a exceção. Desistir é a exceção. Pensa que abandonar a vida é fácil? É preciso estar num desespero muito grande para se fazer isso, pois o suicida quer viver como todos. Ele apenas não aguenta a vida e não consegue achar alternativas. É o mais atormentado de todos os seres.

Acredite, desistir não é nada fácil.

Thiago F. disse...

E se desistir for também uma forma de se enganar?
"vou para um mundo melhor".
"sou bom demais pra este mundo".
"vou renascer bundudo".
"essas pessoas não me merecem".
(seja porque me engano que sou muito bom, seja porque me engano que sou a escória).

e também: nós realmente nos enganamos o tempo todo? não acho que as pessoas aceitem a religião ou a ciência sabendo que ela é uma mentira - ela tem que parecer real até o âmago; enfim, ser real.

só quem está "de fora" diz que é mentira. mas é possível estar fora de tudo, dizer que a verdade é que é tudo mentira, e nessa onisciência ser deus? isso que é solidão: deus é um só. vou desistir pra ser o único real, que só deus é.

parece melhor abraçar a mentira e dizer dela que é sua verdade. mas dá pra fazer isso sabendo que é uma mentira escolhida - e "viver sinceramente" - ?

dentre todas as opções, a esolhida só se destaca por ter diso escolhida. antes, ela era uma possibilidade. eu li isso no sartre.

escolher uma mentira ou outra: isso é que é difícil. e é uma conclusão que não chega a lugar nenhum. felicidade é ignoransa. :P

Enfim, não gostei muito do texto. Só da discussão: ;)

Raul Galhardi disse...

Desistir pode ser uma forma de se enganar, SE estiver ligado a uma ILUSÃO ANTERIOR, seja a de que a vida é boa e tudo dará certo, e quando você descobre a verdade não consegue conviver com isso, seja pelo oposto, quando você pensa que a vida é uma merda e não vale a pena ser vivida.

De qualquer forma, mesmo sem ilusões (na verdade, PRINCIPALMENTE por causa disso),a vida pode ser insuportável! Foi o que quis mostrar através do meu texto. Não por que se espera demais, ou o pior, ou por que não se espera nada dela, mas simplesmente por que a idéia de que ''O que não me mata apenas me fortalece'' é falha (perdoe-me, Nietzsche!).

Existem sofrimentos que destroem o indivíduo absolutamente mesmo após cessarem. Um exemplo disso são os campos de concentração nazistas, ou as torturas da ditadura militar. Os exemplos são infinitos.

Como eu disse no texto, após passar por um período de intensa dor, sabe-se que ela não pode durar para sempre. Todavia, é o durante que pode matar. Pode-se não conseguir ''chegar ao final'' e desistir pelo caminho. Não houve ilusão alguma nisso, só uma dor insuportável! Como foi o meu caso, quando entrei em depressão.

Embora eu encare a vida de maneira sincera, eu, enquanto deprimido, não estava disposto a continuar com a dor. Justamente por encarar a vida de maneira crua e sem ilusões eu sabia que não seria a primeira e nem a última vez que sentiria aquilo, e pensei se estaria disposto a continuar com isso. Todos os seres possuem o direito de fraquejar. Ninguém é obrigado a continuar vivendo. Embora Nietzscheano, entendo os que fraquejam, pois já passei por isso.

Como diria Emil Cioran, ''Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a idéia do suícídio já teria me matado há muito tempo''.

E completando: ''A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade''.


O eterno retorno, a criação e destruição constantes, a sucessão de dores e prazeres que é a vida, pode servir tanto para afirmá-la quanto para negá-la. A afirmação e a negação não dependem de ilusões.

Quanto ao fato de que quem vive uma mentira não acreditar que ela é uma mentira, sim, de fato. Quem vive uma mentira acredita na sua realidade (embora, como tudo, existam suas exceções!). Entretanto, o fato de alguém acreditar que é real não a torna real.

Você disse tudo ao afirmar que aquele que está ''de fora'' sente-se solitário, como o único Deus da verdade. Sim, é justamente esse sentimento de deslocamento, este ''sentir-se um estrangeiro no mundo'', esta ausência de unidade, de sentido, que torna extremamente difícil viver sinceramente, pois não se pode apoiar em nada a não ser em você mesmo. Como já disse, viver é para os fortes, não para os fracos. Aos fracos cabe as ilusões ou o suicídio.

Enfim, desistir não implica em se iludir e é possível viver sinceramente sem se iludir. Ao contrário das suas afirmações.

Au revoir

Unknown disse...

O que é o desistir? É deixar pra lá uma coisa que se quer? Pra se desistir de algo tem que existir um desejo. Eu desisto de viver porque um dia eu quis a vida e me frustrei com ela. Porque se não a desejasse não teria desistido, viveria em paz com minha existência do modo que ela é. E ponto. Isso é a vida reservada para os fortes, sem ilusão e suicídio? Acho que não encontrei nenhum forte na minha vida até hoje.... monges budistas, quem sabe!

E a ilusão? Uma idéia que tem seu ar pejorativo por se tratar de algo irreal, não correspondente com a VERDADE. E qual é a verdade?! Já que citamos o exemplo do suicídio (me parece ser o mais latente, já que seu texto remetia à uma depressão) a outra saída (senão o desistir) - a ilusão - seria o quê? Sentir-se desgostoso com a vida, mas criar uma ilusão de que tudo está e/ou ficará bem. E então minha vida seria uma grande farsa e eu estaria fadada à mediocridade para todo o sempre. Qual é o critério mesmo?

Eu entendo também os que fraquejam, porém não mais do que os que se iludem. E não, eu não os condeno. Cada um acha sua forma de atenuar o sofrimento do peso da existência. E como dói! Na ilusão se acha o prazer. Para o suicida, ele vê na morte um “prazer”. Não é uma apologia à ilusão e à mentira, mas tô advogando o lado que tava sozinho no seu texto... E você vê mais o lado do fraco que desiste porque já experimentou sensações parecidas. E eu, do lado que tô, sou uma iludida na vida. Vai ver é isso mesmo, sério. Vai saber!

Eu concordo que exista esse troca-troca de sentimentos, essa putaria toda de angústias e prazeres que Deus nos submete, hehe. Queria ver tudo de fora, saber de tudo, descobrir a verdade absoluta e assim eu poderia aprender a separar meus pensamentos e conceituá-los, encaixá-los em palavras definidas. E saber o que é melhor: desistir ou se iludir.

Pra não ser imperativa e presunçosa não digo que tenho certeza, mas não consigo vislumbrar uma desistência sem uma prévia ilusão, ao menos não nesse caso. Como essa dor de SER é tão profunda sem que antes pulsasse uma paixão pela vida?

Thiago F. disse...

Raul, se Simoninha da Belavista te conhecesse, teria escrito um conto chamado “O homem desiludido”.

Parece que, na rua resposta, tu tá dizendo que a dor é real, e a ausência de dor é ilusão. Tu mesmo disse: “. Não houve ilusão alguma nisso, só uma dor insuportável! Como foi o meu caso, quando entrei em depressão.” Estaria você desenvolvendo uma metafísica da dor, da ruindade, do mal como essência e do bem como aparência? Estipulou primeiro o que é mau pra depois, no resto, tentar achar alguma coisa boa? – a moral do escravo.

BRINCADEIRAS À PARTE, temos que reconceituar toda essa tralha argumentativa sobre ilusão x verdade. O que eu acho razoável é que a ilusão não se opõe à verdade, não a mascara como se fosse ideologia ou, o que dá no mesmo, como falsa consciência, fazendo ver um mundo invertido. Eu acho que cada ilusão é uma verdade construída. Podemos participar na construção delas ou viver as construídas pelos outros.

Viver sem ilusões, como você disse, pode ser insuportável. E eu te disse: viver sem ilusões pode ser também uma ilusão. Acreditar que a partir de determinado momento você está com os pés totalmente no chão e o olhar na distância ideal que faz só ver a verdade dos fatos puros. Ser um sujeito absoluto. Eu acho que, mesmo se fosse possível, seria besteira.

Ali onde verdade e ilusão se confundem, talvez elas funcionem como crença. Não falo de fé, crenças metafísicas: falo do sentido que podemos dar (ou aceitar o que já foi dado) ao mundo; criar categorias que permitam prosseguir vivendo. Forjar valores, moldar a vida, besta loira. Lembre-se que a natureza em si é amoral, não é boa nem má, não é dor nem prazer.

Viver a dor é ser a dor, é claro. E querer desistir é perfeitamente compreensível neste caso. Mas é somente a dor que se vive quando se vive a dor? Ou esse é um sentido, uma verdade, uma ilusão que se cria para avaliar aquele momento da vida?

E eu não duvido da sinceridade com que você encara a vida. Só não acho que ela seja exclusiva sua. Ainda acho que a maior parte dos “iludidos” encara sinceramente a vida deles – a vida é aquilo mesmo, para eles. Pra maioria. Inclusive pros insatisfeitos e desiludidos, que acreditam estar levando uma vida de mentira mas que almejam a uma de verdade.

Porque mesmo a vida de verdade, a sinceramente desiludida, é almejada. É pretendida, é desejada. É objeto de uma vontade. E a vontade tem que acreditar que será realizada. Porque se, de antemão, a vontade já desistiu, vontade ela não é. E nesse lapso de tempo entre o desejo e a satisfação, esta última é apenas virtual, possível – é uma ilusão que ainda está por se materializar. E o sentido que o ser desejante dá a sua vida no tocante a cada desejo é, temporariamente, ilusão, mas é também a verdade dele. Repito: desejar sem se importar em conseguir não é desejar; vida sem desejo não é vida. É sobrevida. Nem os animais vivem sem desejo. Só o nosso deus hipotético, que está à parte do mundo, sabe tudo, tem tudo e não quer mais nada, é pleno (mas qualquer criança sabe que deus não existe).

Projetos nascem de sonhos. O mais desiludido que você pode permanecer desejando algo vem daquela trinca: angústia, desamparo, desespero. Angústia: o que fazer? Desamparo: nenhum ponto de apoio fixo que dê embasamento às decisões. Desespero: tudo pode dar errado, não se pode contar com conseqüências só porque se deu a causa. Mas o desejo, a vontade, o projeto, a ilusão são guias, horizontes (talvez sejam meios também) que cada um põe pra si mesmo.

(Isso não quer dizer que está todo mundo certo o tempo todo. Mas que quem está menos certo é o desiludido, o que vê somente os fatos concretos, o cientista, que é o corolário da vontade de nada. Você certamente se lembra disso: a ciência não se opõe ao niilismo da religião – ela só o desembaraça da religião, transforma-o em natureza.)

Viver sem ilusão é viver sem esperança? É como responde aquele cara naquele filme que nunca lembro: E o que você espera com isso?

Viver sem ilusão é um projeto, é um desejo, e enquanto tu não realizar (e tu sabe que só poderá dizer isso depois de morto, ou seja, nunca) é uma ilusão, um horizonte – mas um norte, um sentido. Quer tentar? Boa sorte. Acredito que tem outros caminhos mais divertidos. Ainda que a custo de mais dores, insatisfações.

“Como diria Emil Cioran, ''Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a idéia do suícídio já teria me matado há muito tempo''.

E completando: ''A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade''.”

Essa primeira fase não diz nada. A segunda é idiota. A atenção de qualquer pessoa se afasta da possibilidade do suicídio, mesmo a dos suicidas. Pergunte a qualquer um que não se matou. Ele seguiu em frente porque prestou atenção em outros fatores da vida. Não há um ex-suicida incapaz de dar um sorriso, de correr na chuva pra não perder um filme no cinema, de ir dormir mais tarde pra terminar um livro.

”O eterno retorno, a criação e destruição constantes, a sucessão de dores e prazeres que é a vida, pode servir tanto para afirmá-la quanto para negá-la. A afirmação e a negação não dependem de ilusões”.

A afirmação e a negação não dependem de ilusões: mas talvez elas mesmas sejam as ilusões!: “afirmo a vida: ela é boa em si!” “nego a vida: ela é uma merda e to indo nessa, abraço”. Mas já disse, com palavras que vieram de ti: a natureza, a vida, é amoral. Então o que se afirma/nega é uma ilusão, uma perspectiva, pois a afirmação e a negação não são conjuntos vazios: são afirmações/negações de algo. Algo visto de uma perspectiva.

”Quanto ao fato de que quem vive uma mentira não acreditar que ela é uma mentira, sim, de fato. Quem vive uma mentira acredita na sua realidade (embora, como tudo, existam suas exceções!). Entretanto, o fato de alguém acreditar que é real não a torna real”.

Aqui você voltou com essa fé no real. FÉ NO REAL. Manda um abraço pro FHC.

Au Beauvoir.

- - -
To com preguiça de continuar nessa discussão. Por favor, enfie o rabo entre as pernas :)

Raul Galhardi disse...

Como diria Juca Kfouri, ''através do blog, você se dá conta do que tem de gente maluca e ressentida no mundo. Você conhece a miséria humana com os comentários que você recebe.''

Responderei a todo(a)s num momento oportuno. Até lá.

Unknown disse...

Eu curti a parte do FHC... hehe

Aguardemos!

=*