4.5.08

Aqui estou eu novamente do lado de fora de um hospital. Não gosto de hospitais. Não gosto de ver todos de branco, nem de imaginar as doenças que circulam lá dentro. Sabia que o branco no Japão simboliza a morte? Parece que os médicos descobriram.

Sento na calçada e encosto na grade do cemitério. Acendo um cigarro e dou uma tragada. A marca não interessa, pois o resultado final é o mesmo. Começo a pensar no quão mórbido (ou apropriado) é ter um cemitério ao lado de um hospital. ''Economiza tempo'', penso. Deus, como sou desprezível! Mudo logo de pensamento e lembro por que estou aqui. Não estou aqui porque gosto de hospitais, ou cemitérios, ou por que gosto de fumar sentado na calçada. Estou aqui por causa de Luana.


Nunca me importei com ninguém. Gosto disso. Assim ninguém se importa comigo também e com as besteiras que eu faço. Não que eu não precise de alguém, seja um lobo solitário ou algo assim, mas é que já me acostumei a viver dessa maneira. Com Luana é diferente. Imagine algo belo capaz de fazer sua imaginação voar. Nada se compara à Luana. Penso que fui um felizardo em poder viver ao seu lado. Fui? Não! Aqui estou eu de novo com minha amargura, meu pessimismo, falando dela no passado. Preciso pensar que tudo irá melhorar, que tudo terminará bem, pois... como é que é mesmo a frase? ''Tudo sempre acaba bem. Se não está tudo bem, então ainda não acabou.'' Isso. É assim que eu preciso pensar.


Quando percebo já estou acendendo outro cigarro. Ansiedade. Levanto e ando até a porta do hospital. Penso em entrar. Não. Eles não precisam de um bêbado fedendo a cigarro. Douglas e Verônica não precisam disso, Lúcia também não e muito menos Luana. Porra, mas que merda está acontecendo lá dentro? Que angústia! Sempre foi assim. Luana, por causa de seu problema, sempre necessitou de cuidados especiais. Eu, sempre que possível, a ajudei e estive ao seu lado, se bem que este ''sempre que possível'' não está adiantando muito agora.


Apago o cigarro e jogo a bituca no chão. Ando de um lado para o outro em frente à porta, pensando no que deve estar acontecendo lá dentro. ''Calma, não é a primeira vez que isto acontece''. Preciso me acalmar. Sento novamente encostado na grade esperando que nenhum pombo cague na minha cabeça.


Luana... que mulher! Que ser humano! Condeno Deus por ter feito isto com ela! Não me importo com nada, nem comigo, mas apenas com ela. Chorei ao seu lado quando sentia dor, segurei sua mão e não fiz nada. Nada do que precisasse. Ela dizia, ''Seu carinho basta.''. Não! Isso é mentira! Nunca se ama o suficiente, neste caso. Não quero chorar, mas parecia que não era isso que o futuro reservara para mim.


Eu não acreditava no que via. Estava em pé, mas minhas pernas tremiam. Não pensava em nada. Não conseguia sentir nada ao meu redor. Os pedestres aterrorizados, os enfermeiros e médicos desesperados, os repórteres curiosos e Douglas e Verônica aos prantos ajoelhados ao lado do corpo da filha, esmagado na calçada.


Aconteceu muito rápido. Ouvi um barulho de vidro se quebrando, e, antes mesmo que eu pudesse me virar ou a jovem que vendia flores ao meu lado gritar, ela já estava na calçada. A poucos metros de mim, eu via o corpo de Luana espatifado contra a calçada. Muita correria. Logo os enfermeiros saíram do hospital para ver o ocorrido e tentar fazer algo. Inútil. O caos já estava instaurado. Algumas pessoas vomitavam. Era horrível! Um pesadelo! E eu não conseguia fazer nada...


Flashes, câmeras, fios e mais câmeras. De onde saiu tudo isso? Acho que enquanto permanecia inerte, sem cair ou ficar de pé, a imprensa havia chegado. Abutres! Estava coberto pela multidão e acho que foi por isso que Douglas e Verônica não me viram, ou Lúcia, ao sair correndo em direção aos repórteres tentando agredí-los para que não mostrassem aquela cena hedionda em algum programa policial, como a atração do dia. Descartável. Efêmera. Não imagino como deve ser perder uma filha. Não tenho filhas. Tinha Luana e ela se foi. Como ela pode fazer isso comigo?!? Queria consolá-los, dizer o quanto ela era importante para mim, mas senti vergonha e, aproveitando que não fui visto, saí dali. Penso que foi melhor assim. Era meu último favor para ela. A pouparia desta última vergonha.

Coloquei um cigarro na boca ao chegar na esquina mas não conseguia acendê-lo, nem atravessar a rua. Comecei a chorar, discretamente. Hoje eu sabia o que me esperava. Tomaria todas e, quem sabe, ao acordar amanhã, me esqueceria de tudo. Mentira. Eu jamais me esqueceria. Coisas assim não acontecem todos os dias. Para gente como eu, só se ama uma vez.


por Raul Galhardi

5 comentários:

Claudinha disse...

Ra...

Parece tao familiar.

Parece tao dejavu.

Parece tao...

tao.

Thiago F. disse...

tao tse-tung.

raul, enquanto eu não comento propriamente esses textos, vai lendo o meu blog novo.

http://ardeverbo.blogspot.com

thiago fonseca.

Anônimo disse...

Afinal, o que aconteceu com Luana?

Unknown disse...

Achei triste, porém lindo.

Como alguém que eu conheço.

=)

yna disse...

essa eu gosto :)